O presidente eleito Donald Trump está pronto para reverter uma proibição de algumas exportações estadunidenses de gás natural liquefeito (GNL) para impulsionar produtores de energia dos EUA.
Mas a medida dificilmente ajudará a enfrentar a crise climática e pode até agravá-la. Quanto à Europa, maior comprador de GNL americano e dependente da importação de gás natural, os benefícios só serão sentidos após o final da década.
A região receberia de bom grado os fluxos adicionais já em janeiro, pois, após quase três anos de alta nos preços de energia, está prestes a perder uma das últimas fontes remanescentes de gás natural por gasoduto da Rússia.
“O mercado global de gás permanece em tensão ao se aproximar do inverno, sem alívio mesmo com previsões de clima ameno”, escreveram estrategistas do Bank of America em nota neste mês.
“O mercado continua vulnerável devido aos estoques relativamente baixos na Europa, à incerteza das previsões climáticas, ao fornecimento de gás pela Rússia e ao cronograma de início de novos projetos de GNL.”
O GNL é uma forma líquida e resfriada de gás natural que pode ser transportada por navios-tanque – e as exportações americanas estão crescendo rapidamente.
Em menos de uma década, os Estados Unidos passaram de exportadores insignificantes para ultrapassar Austrália e Catar como o maior fornecedor mundial, segundo a Administração de Informação de Energia dos EUA (EIA).
Ainda assim, em janeiro, o governo Biden pausou autorizações federais para diversos projetos pendentes de exportação de GNL enquanto avaliava o impacto ambiental e energético do boom de exportações. A pausa não se aplica a exportações já aprovadas.
Na terça-feira (17) , o Departamento de Energia dos EUA publicou essa avaliação, prevendo que, se os EUA aumentarem as exportações de GNL além do nível atualmente autorizado, emissões resultantes podem gerar 1,5 gigatoneladas adicionais de poluição climática por ano até 2050, o equivalente a um quarto das emissões anuais atuais dos EUA.
A decisão final sobre exportações adicionais de GNL está “nas mãos da próxima administração”, disse a secretária de Energia, Jennifer Granholm, a jornalistas.
Alguns estudos mostram que o GNL produz significativamente menos emissões de gases de efeito estufa ao longo de seu ciclo de vida em comparação com outros combustíveis fósseis, mas seu impacto climático depende de substituir petróleo e carvão ou energias renováveis limpas.
Outros estudos detectaram altas taxas de vazamento de metano, principal componente do GNL, durante a produção. O metano é um gás de efeito estufa com 80 vezes mais potencial de aquecimento em curtos períodos do que o dióxido de carbono.
Os aliados de Trump já estão planejando suspender a moratória do GNL assim que ele assumir o cargo em janeiro, segundo uma fonte familiarizada com discussões entre os conselheiros do presidente eleito e candidatos a cargos de segurança nacional.
Reconfiguração energética da Europa
Antes da invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia em 2022, o país comandado por Vladimir Putin era o maior fornecedor de gás natural da União Europeia. Desde então, o bloco reduziu a participação russa em suas importações para 15% em 2023, ante 45% em 2021.
Para preencher a lacuna, a Europa importou grandes quantidades de GNL dos EUA e outros países, além de gás por gasoduto da Noruega. Agora, de acordo com a EIA, que inclui Reino Unido e Turquia na definição de Europa, a região é a maior compradora de GNL americano, recebendo dois terços dos embarques no ano passado.
A UE também aumentou as importações de GNL russo para aquecer suas residências e abastecer suas indústrias. Mas o bloco enfrenta um prazo autoimposto de 2027 para acabar com sua dependência de combustíveis fósseis de Moscou, posicionando os EUA como fornecedor energético ainda mais relevante.
Essa independência, porém, ainda está distante. Bem antes disso, em 1º de janeiro de 2025, expira o contrato que permite o trânsito de gás russo pela Ucrânia. Esses fluxos representam cerca de 5% do total de importações de gás da UE, segundo o think tank Bruegel, e abastecem principalmente Áustria, Hungria e Eslováquia.
Esses países não correm risco de escassez de energia, dizem analistas, observando que provavelmente compensarão a perda importando mais GNL ou gás por gasoduto de outras nações europeias.
No entanto, a perda dos fluxos via Ucrânia dificultará o reabastecimento dos estoques antes do próximo inverno, disse Massimo Di Odoardo, pesquisador sênior da Wood Mackenzie.
Espera-se que a oferta global de GNL cresça apenas modestamente em 2025, afirmou ele à CNN, de forma que “a Europa terá dificuldade para alcançar níveis de armazenamento confortáveis até o fim do próximo verão.”
Os preços do gás natural na Europa caíram em relação aos picos históricos do verão de 2022, mas ainda são mais do que o dobro da média histórica. O fim do acordo de trânsito é uma das razões pelas quais os preços provavelmente não cairão muito no próximo ano, disseram analistas à CNN.
Di Odoardo afirmou que os preços devem permanecer próximos dos níveis atuais ou subir caso o contrato não seja renovado.
Onda de oferta
A situação deve melhorar para a Europa na segunda metade desta década, quando uma nova onda de oferta de GNL dos EUA, Catar e outros produtores deve chegar ao mercado global.
Até 2030, o volume de GNL negociado globalmente deve ser 50% maior que o atual, excluindo projetos pendentes nos EUA, segundo Di Odoardo.
Quaisquer fluxos adicionais resultantes da reversão da proibição de Biden só entrarão no mercado após 2030, segundo analistas.
Quando chegarem, ajudarão a reduzir os preços do gás natural na Europa.
Em nota recente, analistas da Capital Economics previram que os preços europeus cairão pela metade até o final de 2026.
Ainda assim, é improvável que os preços retornem aos níveis anteriores à crise energética europeia, afirmou Francisco Blanch, chefe de pesquisa de commodities do Bank of America.
Enquanto a Europa continuar importando GNL de grandes distâncias, cruzando o Atlântico, por exemplo, e não de vizinhos imediatos, ela arcará com os custos de transporte e logística, disse Blanch à CNN.
Essa situação coloca as empresas europeias em desvantagem competitiva em relação às dos EUA, onde a energia é muito mais barata.
Os preços do gás natural na Europa atualmente são até cinco vezes maiores que os nos EUA, de acordo com analistas da Capital Economics, que esperam que essa diferença diminua até o final de 2026, mas ainda assim os preços na Europa serão até três vezes maiores.
Em um relatório de setembro, Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, destacou que a volatilidade dos preços de energia na Europa “é também um fator significativo, prejudicando indústrias intensivas em energia e toda a economia.”
Blanch, do Bank of America, faz uma observação contundente: “As empresas têm transferido suas operações para fora da Europa. Se você tem uma indústria química ou pesada, que consome muita energia, você vai para a Costa do Golfo dos EUA. Vai direto à fonte de energia.”
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